Conclusões óbvias que descubro as 5 da manhã
Ilustração por Ana Machado (a mesma que vos fala)
Tem feito muito calor aqui, o que parece absurdo dizer de uma pessoa vinda do Brasil mas não sei o que ocorre, e sem dúvida deve haver alguma uma explicação científica, mas os 25 graus aqui são os 32 de São Paulo. Sempre soube que me adaptar às temperaturas mais frias da Europa seria uma questão, mas nunca achei que teria o mesmo em relação ao verão. Várias nóias novas de calor desbloqueadas:
até protetor solar fator 50 pra boca eu tenho, o sol parece que queima mais (de um jeito horrível);
o sol se põe umas 21h30 e só some mesmo quase as 22h. O que é maravilhoso, não me entendam mal, mas como você justifica pra sua cabeça ir dormir quando ainda não está 100% escuro ao olhar pela janela? Como você acha normal jantar as 19h se o sol está te fazendo sentir como se fosse 15h? É meio esquisito;
Roupas: gente, toda uma questão. Aqui, num dia normal, ando pelo menos uns 7km. Já num dia que de fato saio pra fazer coisas o céu é o limite. Não tem coxas que aguentem um vestido, tampouco o calor de uma calça. Os looks aqui, no geral, são mais comedidos, então é uma matemática achar uma roupa: fresca mas não decotada + verão mas que minimize ao máximo as áreas expostas ao sol (pois temos medo do sol) + que sirva pra 10km sem causar machucados.
Todo esse preâmbulo, na verdade, pra falar que é o primeiro verão da Emilia, e mesmo sendo daqui, ela me parece ainda menos preparada e feliz com ele. Ela sofre a qualquer sinal de calor, mesmo de noite. Ela fica inquieta e não consegue dormir, aí ela vai e acorda o Renato pra pedir aconchego, pois percebeu que tentar me acordar é uma missão difícil. Na 3a vez eu acabo, então, sendo acordada por ele, descabelado tentando um diálogo com a Mizu sobre os benefícios do sono ao cérebro e como seria interessante que ela o deixasse dormir.
Foi ali que eu decidi que chega, ninguém merece mais viver assim. Entrei no aplicativo do tempo pra ver qual o momento do dia mais frio que tem, e pasmem: é entre 5 e 6 da manhã. Como o sol só some as 22h, nem se eu passear meia noite com Emilia é fresco o suficiente, a gente sai da portaria do prédio e já sente aquele bafo, sabe? Emilia e eu agora acordamos as 5h30, passeamos o quanto ela estiver afim, com inúmeras pausas para beber aguinhas. E isso magicamente fez a cachorra se sincronizar com o universo, comer sempre na hora certa, dormir sempre na hora certa e tudo finalmente se encaixou. Paz.
Tenho podido observar a cidade de um jeito novo pra mim, as 5 da manhã ela é diferente em muitos aspectos.
Primeiro, porque parece que estou de volta pro interior da Itália depois do almoço: não se vê praticamente ninguém na rua. Uma calma que não existe, nenhum barulho de buzina, nenhum semáforo precisa de muitas olhadas. O parquinho pertence a Emilia e a Emilia somente, nem os outros cachorros estão por lá.
Segundo, os esquilos que há muito eu não via (provavelmente fugindo também das altas temperaturas) estão todos correndo pela grama brincando entre eles, parando subitamente ao notar a nossa presença e nos encarando de volta.
Pouca movimentação na rua enquanto a cidade parece que está acordando e se preparando pra começar o dia. Nenhum italiano à vista, os acordados são todos imigrantes: as pessoas que recolhem o lixo, as pessoas que estão limpando as folhas na frente das calçadas dos prédios, as pessoas entrando pra obras nos prédios (é real que a Europa inteira entra em reforma no verão).
A temperatura é agradável, sensação essa que eu tinha esquecido, dá mesmo pra andar sem suar loucamente questionando todas suas decisões daquele dia, quem diria. Emilia e eu fazemos um bom passeio, eu faço alguns afazeres e vamos nos encaminhando pra casa, para tomarmos nosso café da manhã.
Chegando no meu prédio, vejo um senhor, bem italiano bem arrumado, na casa dos 70+ num carro preto, bem grande, bem alto, a porta esquerda de trás do carro aberta, uma mulher, claramente latino americana, claramente que trabalha pra ele, tirando várias sacolas que parecem ser de compras de mercado. Me bate um desconforto que a princípio não sei explicar direito.
Subindo pra casa e contando para Renato, percebo o que é: nada mudou né? Todas as imagens que tenho visto nos passeios matinais começam a me vir, começo a pôr rostos nas pessoas todas que tenho encontrado pela cidade. Aliás, tanto se mudou no mundo, tantas inovações foram feitas, mas a sensação é que as coisas só foram re-encapadas mas permanecem as mesmas. Impérios sumiram, países que antes conquistavam muitos territórios agora são pequenininhos, mas as relações continuam as mesmas, o status seguem os mesmos. E é ridículo demais ter que vir até aqui pra concluir isso, mas sabe aquela frase que a gente já ouviu over and over sobre a história se repetir? Estava tão óbvio hoje que parecia gritar. Nada mudou.
Até quinta que vem!