O jeito mais lindo que já vi a luz bater numa parede
Photo by Ana Machado
As vezes eu me pego pensando no 53A, no quanto eu cresci ali dentro, no quanto eu vivi um sonho. No jeito mais lindo que eu já vi a luz bater numa parede quando vai chegando o pôr do sol. Eu imagino que a vida ainda existe lá, que se eu voltar, andando bem devagarinho pelo corredor e tocar a maçaneta, daquele jeito que a gente faz quando não quer acordar ninguém, e abrir a porta, vou poder assistir a tudo que acontece lá dentro como assisto aos vídeos no meu celular. Benja, o melhor cachorro que já existiu, meu companheiro de alma, ainda vai estar rodopiando em círculos enquanto ponho sua comida no potinho. No 53A ele ainda tira sonecas de barriga pra cima a tarde na sala, com seus pelos e bracinhos todos pro alto, parecendo um tapetinho. Se eu andar um pouco mais a frente, aposto que encontro a Ana de 23, sem ter a menor ideia do tanto de coisas que viriam pela frente, pintando uma aquarela na escrivaninha do quarto. São Paulo ainda não me é tão perigosa e assustadora, minhas pessoas preferidas estão a só uma ligação de distância, ou no caso do Harry, só a 3 estações de metrô de um PF na lanchonete da esquina, que toda esquina parece ser igual mas nessa o feijão se mistura com o arroz de um jeito diferente. Lá, a geladeira é quase sempre vazia, com sorte teríamos uma tapioca, um ovo e, talvez, se eu lembrasse de passar no Pão de Açúcar, um queijo, ou uma salada que faria aniversário na geladeira até acabar estragando. Como pode no 53A os nutrientes serem tão escassos? No final da tarde de domingo - no 53A sempre é domingo, mas a gente gosta deles, não nos causam pânico e ansiedade apenas o melhor sentimento de relaxamento do mundo- no final da tarde, Benja e eu, fazemos nossa rota pelas redondezas. Ao esperar o elevador pra descer, a nossa vizinha que se tornou muito querida ao longo dos anos, está chegando com o Chopp, um Yorkshire bem pequeno e velhinho e nos dá um oi animado e um carinho no Bequinho. Aquela rua linda cheia de árvores enormes que mal deixam passar o sol ainda está lá, e ao final dela, a pracinha, que ainda não sei que é a mesma que conheceremos o amor das nossas vidas, está cheia de cachorrinhos pro Benja cheirar, a velocidade do dia é calma demais, paro pra olhar pro céu, ouço os pássaros.
A vida ainda se parece tão infinita e a morte um assunto que apesar de sempre presente no fundo da cabeça, ainda não é tão real e não chacoalhou tanto a minha cabeça. 23 anos, me sentia tão adulta e resolvida, não era.
É tão mais reconfortante pensar que tudo que talvez não exista no meu dia a dia não se foi, ainda está lá no 53A guardadinho esperando eu ir lá dar uma espiada, intocado pelo tempo, onde sempre a golden hour está presente e o clima é gostosinho o suficiente pra que um cobertor no sofá com o Benja no meu colo seja o melhor aconchego do mundo. Fecho a porta tão devagarinho quanto abri e deixo eles tirarem uma soneca juntos.