De chinelinho na Groenlândia
A Nadadora. Por Ana Machado (a mesma que vos fala)
As vezes eu fico pensando na Tamara Klink ou na Flor Gil, será que em algum momento passou pela cabeça delas seguir a rota não convencional? Não convencional eu digo pra elas, claro. Se elas pensaram em entrar pra uma startup e rodar uns experimentos num aplicativo mexendo na interface ou se consideraram trabalhar num grande banco. Sério, tenta pensar nascer elas e no quanto de estranhamento gerariam essas rotas. Será que elas sentiriam medo? A Tamara Klink está neste momento no meio de algum pedaço do mar congelado, sozinha há meses, num barco 100% no controle somente dela - o que é claro, pode soar assustador pra muita gente -, mas será que pra ela daria mais medo ir trabalhar num banco e ter que apresentar pro diretor uns números que não saíram dentro da meta?
Trago esse exemplo aqui pra tentar “te mostrar o outro lado do vaso”, como minha saudosamente citada ex-terapeuta (Paty, não vai falar pra ela) sempre dizia. Meu marido sempre que ouve falar de algum amigo que eu tenho que ele possa não se lembrar, sempre chuta a profissão que eu tenho (ou tive) a vida toda! “Ah, aquele fulano que é Product Manager?”. Se você é um amigo meu, e está lendo esta newsletter (primeiro parabéns, você pertence a um círculo muito exclusivo de umas 4 ou 5 pessoas) existe 100% de chance de você ser um, ou ser o Harry. O meu ponto: me parece bem mais “fácil” (com todas as dificuldades e privilégios considerados), seguir a rota que é conhecida, que você tem pessoas para te orientarem que já viveram o que você está vivendo. Eu sou fã ABSURDA da Tamara, li também o livro do pai dela, queria ser amiga dos dois, mas se eu tiver que fazer o que eles fazem, nem saberia por onde começar. Sinto o coração descer pro pé e o corpo congelar inteiro só de pensar. E sem tirar em nada o mérito dela, nem de ninguém, mas é uma rota que ela provavelmente pelo menos considerou desde muito antes na vida. Eu mesma, só fui saber que dava pra você fazer isso depois dos 20, porque simplesmente até então, não exista ninguém nem nada na minha vida que me apresentasse pra este universo. Eu não tinha a referência.
E que nervoso que dá considerar uma rota nova hein? Acho que não importa se você faz isso aos 22 trocando de curso na faculdade, aos 28 trocando de profissão ou aos 34 trocando de setor, sempre vai parecer que você está velha demais pra isso e que não existe simplesmente tempo hábil para nenhuma rota que não a convencional. Falar que vai trocar de rota então? Vão descer 23 notificações amanhã no seu LinkedIn do pessoal querendo saber pra onde você vai. Mais umas 7 pessoas dando conselhos não solicitados, e mais umas 3 vozes na sua cabeça te falando tudo que vai dar errado.
Parece super cheio de riscos. Trago aqui mais parafraseamentos de livros que adoraria que estivessem comigo na Itália mas se encontram no Brasil. No livro Originals, o Adam Grant estuda essas pessoas que todos consideram muito disruptivas e que abriram empresas enormes e que, no nosso imaginário, correram muito risco e nos diz que, na verdade, todos foram cautelosos. Vou repetir: ninguém largou tudo, ninguém se endividou baseado num sonho sem planos. Todos eles sentaram, planejaram e fizeram uma transição menos arriscada possível: mantiveram seus empregos antigos enquanto tentavam coisas novas, até terem renda o suficiente pra sair, por exemplo.
Toda essa volta pra te falar que agora, além de ler meus textos você também vai ver minhas ilustrações neles! Tenho amigos que vivem disso? Não! Alguém na minha família faz isso? Não. Vou ter que ser a primeira aqui no meu círculo, pra pelo menos inspirar minha cã, Emilia. E pra também te dizer que eu também não sei o caminho, mas todo mundo começa em algum lugar. Eu estou com medo e nem sei o motivo. Medo de que? De pessoas que estão fazendo a mesma coisa que sempre fizeram falarem “olha ela lá, tentando algo diferente, que surto”. Acho que tem todo mundo coisas melhores pra fazer.
Estou tentando muito acreditar nisso, porque neste momento parece que a Tamara falou “Ana, olha o barco aqui rapidinho que eu já volto” e me largou no meio da Groenlândia.
Até quinta que vem!